São Lourenço do Sul

Região deve ganhar leitos na Saúde Mental

Projeto que cria ala especializada, pelo SUS, está nas mãos do governo do Estado

Paulo Rossi -

A Zona Sul poderá se tornar a primeira região do Estado - além de Porto Alegre - a contar com ala especializada para internação de crianças e adolescentes com transtornos mentais ou dependência química. O projeto para criação da estrutura com oito leitos, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), na Santa Casa de Misericórdia de São Lourenço do Sul, já está nas mãos do governo do Estado para análise técnica e avaliação de custos. A proposta promete ser tratada como prioridade.

Quem garante é o titular da 3ª Coordenadoria Regional de Saúde (3ª CRS), Gabriel Andina. "Sabemos que demanda existe. Estes oito leitos estarão sempre ocupados", afirma. Só em 2016, mesmo sem o hospital contar com ambiente específico para tratamento de Saúde Mental infanto-juvenil, 31 pacientes foram acolhidos pela Santa Casa. O histórico de São Lourenço de quase 30 anos de trabalho nessa área - desde 1988, com a criação do Centro Comunitário de Saúde Mental Nossa Casa - seria uma das principais razões para a cidade se tornar referência, ainda que oficialmente ela não exista aos casos que envolvem internação de crianças e adolescentes.

"Esse é um passo de muita responsabilidade, mas temos expertise; da prevenção ao cuidado na área assistencial", destaca a secretária de Saúde, Arita Bergmann, que volta ao cargo, depois de ocupá-lo por oito anos. De 1983 a 1991.

Plano está todo traçado
A habilitação dos leitos, via SUS, será o ponto de partida para a implantação do projeto. Ainda não há, entretanto, previsão de data para o serviço ser oferecido. Só depois da aprovação do governo do Estado e da definição da disponibilidade de verba para os repasses, o hospital poderá ir em busca de ampliação da equipe e readequação de espaços. Para abrir a ala não será necessária nenhuma construção; apenas redistribuição de ambientes e criação de áreas específicas, como brinquedoteca equipada com materiais multimídia e academia.

Será toda uma estrutura preparada para atender os planos terapêuticos e respeitar a legislação. A permanência de um dos pais ou responsável legal, em tempo integral, é um dos pontos a ser observado. Hoje, grande parte dos casos que têm chegado à Santa Casa envolvendo crianças e adolescentes com sofrimento psíquico grave é de tentativa de suicídio e de automutilação - afirma o responsável técnico do Departamento de Saúde Mental do hospital, psiquiatra Flávio Resmini.

É um cenário diretamente ligado a três eixos principais: características genéticas, vivências infantis do paciente e conflito atual intenso; reitera o médico. A capacidade de resiliência, entretanto, estará relacionada a aspectos, como suporte familiar e retaguarda da rede de proteção.

Aposta na formação
Nos últimos anos, São Lourenço também apostou na qualificação de profissionais, ao investir em duas residências: Multiprofissional em Saúde Mental e Médica em Psiquiatria. A expectativa é de que, com o projeto, a cidade se torne campo de formação para residência em Psiquiatria da Infância e Adolescência, com mais um ano de estudo.

Hospital já é uma das referências ao público adulto
Dados do Ministério da Saúde indicam: de 10% a 20% da população de crianças e adolescentes sofre de transtornos mentais e, dessa fatia, de 3% a 4% necessita de tratamento intensivo. É o pano de fundo à proposta lourenciana. Afinal, a Santa Casa passou a ser uma das referências em Saúde Mental ao público adulto da Zona Sul desde 1989. Atualmente, são 30 leitos; dez dirigidos aos casos de transtorno mental e 20 para dependência química.

Atualmente, a instituição está com todos os serviços em atividade: pronto-socorro, suporte à traumatologia, bloco cirúrgico e maternidade; que chegou a ficar de portas cerradas por cerca de duas semanas, no começo deste ano. Em março, entretanto, um plano de reestruturação definiu novos desafios ao hospital, que luta para buscar equilíbrio financeiro e tratará de readequar o contrato com o governo do Estado - explica o assessor da administração, Diego Mendes.

Você sabia?
- O Centro Comunitário de Saúde Mental Nossa Casa, fundado em 1988 em São Lourenço do Sul, é considerado a primeira experiência municipal de cuidado psicossocial no Brasil.
- Hoje a cidade possui três Centros de Atenção Psicossocial (Caps): Adulto, Infantil (Caps-I) e Álcool e Drogas (Caps-AD III), com funcionamento 24 horas.

O que diz a legislação
* Lei federal 10.216/2001
- Artigo 4º - A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
Parágrafo 1º - O tratamento visará, como finalidade permanente, à reinserção social do paciente em seu meio.
Parágrafo 2º - O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

* Estatuto da Criança e do Adolescente
- Artigo 12 -  Os estabelecimentos de atendimento à saúde, inclusive as Unidades Neonatais, de terapia intensiva e de cuidados intermediários, deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente.


Confira a estrutura psiquiátrica em hospitais gerais da região
- São 82 leitos contratualizados com o governo do Estado
- Em oito municípios da Zona Sul:
+ São Lourenço do Sul
+ Jaguarão
+ Arroio Grande
+ Piratini
+ Pedro Osório
+ Santa Vitória do Palmar
+ Canguçu
+ São José do Norte
 
(*) Os dez leitos da Unidade Eduardo Cortez, vinculados à Beneficência, em Pelotas não são contratualizados via 3ª CRS
(**) O Hospital Espírita de Pelotas (HEP) só atende casos extremos, para consulta, a partir dos dez anos de idade. Para internação só são acolhidos adolescentes, a partir dos 14 anos de idade. Os jovens são direcionados a espaço em área da rede particular - para que não tenham contato com pacientes adultos -, mas não há estrutura para permanecerem acompanhados de familiar, como prevê a lei. A regra geral é de que, tão logo, ingresse um dos adolescentes, a Secretaria de Saúde deve ser comunicada.

Drama vivido na pele
Era 16 de novembro de 2014. O filho, de apenas nove anos, tinha o olhar transtornado. Estava fora de si. Com uma faca em mãos, anunciava - em frases soltas - o ato que estava prestes a cometer. A mãe agiu mais rápido. Conseguiu evitar que entrasse sozinho ao banheiro e, dali em diante, experimentava o desafio da dar fim ao episódio sem que nenhum dos dois ficasse ferido. E conseguiu.

"Estiquei minha mão, olhei pro espelho, falei com Deus muito forte e pedi a faca pro meu filho", conta a pelotense, de 37 anos. Até hoje, ela não consegue conter a emoção. As lágrimas brotam. Foram meses de agonia: facas de todos os tipos escondidas, várias outras situações em que o estudante partiu à autoagressão e a certeza - angustiante - de que não haveria retaguarda hospitalar para serem acolhidos.

"Não quero que ninguém passe o que eu passei. Esse projeto de São Lourenço tem que dar certo. Vai ser muito importante", enfatiza, ao conversar com o Diário Popular no Caps-I, em Pelotas, onde tem encontrado amparo para o acompanhamento do filho, agora com 12 anos de idade. Um período de três anos marcado por transformações: transferência de escola e alívio em saber que o pai - morador de outra cidade - não os agredirá, como chegou a acontecer mesmo quando os dois já possuíam medida protetiva concedida pela Justiça.

Hoje, quando encontra o filho, de joelhos, orando, a mãe trata de reforçar: não é preciso clamar perdão a Deus para as vezes em que se feriu com o uso de facas. "Já disse que ele é um guri de coração bom e que tudo vai ficar bem".

Olhar especializado
A coordenadora do Caps-I, enfermeira Naiana Oliveira, destaca a importância do trabalho, desenvolvido há seis anos em Pelotas. Em oficinas terapêuticas e em grupos psicoterapêuticos, crianças e adolescentes - dos três aos 18 anos de idade - ganham olhar especializado e recebem tratamento que os enxerga na integralidade.

O objetivo é claro e nobre: "Ajudá-los a levar menos sofrimento possível para vida adulta. Queremos auxiliá-los na possibilidade de transformar o sofrimento psíquico, com menos carga possível para o futuro". E, em muitos situações, o desafio é atingido - garante.

Só no primeiro semestre de 2017, 190 novos pacientes foram acolhidos. É um compromisso que passa pela construção de um novo processo de vida a essas crianças e jovens, para que possam contar com reintegração social: na escola, na vizinhança e na própria família. É um processo que passa por revisão de conceitos da própria sociedade, que precisa romper com estigmas e preconceitos.

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